sábado, 28 de outubro de 2006

Cassiano


Cassiano. Esse é o nome dele. Meu aluno. Nove anos, na primeira série. Pretinho, cabelinho enroladíssimo, um sorriso branco de clarear o dia. Cheirosinho, está sempre limpo, apesar de não ter muitas roupas, ele vem sempre bem limpo na aula. Isso por aqui eh um feito queridos, o normal eh bem o contrário. Chegou na minha sala de aula no final do primeiro mês, quando eu jah tinha uma turma nos meus eixos, trabalhando do meu jeitinho. No primeiro dia já bateu em quase todos os colegas. Não havia proposta que o satisfizesse. No entanto, era bastante esperto. O problema eh que ele encarava qualquer olhar como um desafio a um duelo. E respondia brincadeiras inocentes a socos.

Aluno difícil. Conversei com seu pai, e descobri que ele eh órfão de mãe, sua mãe havia falecido já há 3 anos. A agressividade tinha uma explicação agora. Como educadora eu sei que a válvula de escape para muitas dores infantis, eh a agressividade. No entanto, eu não podia permitir que ele fizesse da minha aula o que ele quisesse. Ele precisava de limites.

Com o passar do tempo, fui criando uma espécie de rsistência à ele, tudo o que ele fazia me irritava, e eu passava chamando sua atenção o tempo todo. E ele criou uma resistência à mim tb, ficava provocando o tempo todo, surrando os colegas direto. Nada do que eu fazia surtia efeito, nenhuma conversa dava resultado, eu já não sabia oq ue fazer. Os demais alunos sempre foram bastate fáceis de lidar, não eram agressivos [mais que o normal, pq a agressividade no meio em que dou aula eh quase uma certeza]. Mas ele desestruturava toda a minha aula. Eu vivia em função dele, conversando, brigando, chamando a atenção, separando brigas, chamando o pai...

Foi então que vieram as comemorações do Dia das Mães. Na semana que antecedeu essa data, ele tornou a minha vida um inferno. Eu queria que os alunos fizesses alguns cartõezinhos para dar às mães, e alguns vidros ornamentados, mas ele simplesmente não deixava. Rasgava as folhas dos colegas, quebrava os vidros deles, agredia todos. Contei histórias sobre mães, trabalhei a questão de nem todos serem criados pelas mães, etc. Nada adiantou. Foi então que eu explodi. Explodi interiormente, pq eu nunca exagero com os alunos, não quero, nem me permito fazer isso. Peguei ele, e o retirei da sala. deixei atividade aos demais, e o levei ao pátio da escola. Sentei num banco, pus ele na minha frente. Ele tentou correr, o segurei e comecei a explicar [pela enésima vez] que ele não podia fazer isso. Que os colegas queriam ofertar aqueles trabalhos às suas mães, e ele não estava deixando, e que a mãe dele não gostaria que ele agisse assim. Foi então que aconteceu. Ele desabou num choro convulsivo que eu ateh me assustei. Fiquei preocupada, o abracei, e ele chorou por um tempo ainda. Quando não restavam mais que uns soluços, levantei a cabeça dele do meu ombro, e perguntei: "Cassiano, o que houve?"... E ele, de cabeça baixa, me disse: "Tô com saudade da mãe..." Aquilo me cortou o coração de um jeito que eu não sei explicar. Quase chorei junto com ele, mas não podia fraquejar. Então o abracei, e conversei mais um pouco, sobre o menino lindo e inteligente que ele era, sobre o quento ele era capaz de realizar, bastava apenas se ajudar nisso. E que os cartões ele poderia dar a seu pai, que era pai e mãe ao mesmo tempo. Deixei-o na sala e fui ao banheiro.

Ali sim eu chorei, chorei toda a minha tristeza por essa dor que eu nunca senti, e por tudo o que eu havia deixado de fazer por ele, simplesmente por não ser capaz de entender aquele pequeno drama infantil. Meu jeito mudou. O jeito dele mudou. Quando voltei à sala, ele ria e brincava com os coleguinhas enquanto enfeitava um vidro de Nescafé com algumas estrelinhas de E.V.A. que ele havia recortado. Não sei explicar o que houve, mas tudo foi diferente desse momento em diante. Passei a vê-lo não mais como um probleminha na sala, mas como uma criança que precisava de mais carinho que os demais. E de mais paciência. Ele não mudou do dia pra noite, mas mudou muito. Hoje posso dar qualquer tipo de trabalho, que ele coopera, e quando preciso sair da sala, meu "guardinha" é ele ,que cuida dos colegas. E todos os dias, quando vou embora, depois de atender a uma outra turma de tarde, vem ele e me diz: "Beijo profe!' e me dá um beijo. Dou 2 passos e lah está ele novamente, com a boquinha em forma de biquinho, esperando meu rosto para dar mais um beijo.E ateh eu chegar no carro , são em torno de uns 8 beijos de tchau. Semcontar os acenos quando estou de saída.

Eu o conquistei? Não. Ele me conquistou...


[post retirado do Fotolog, dia 22/05/2006]

2 comentários:

Anônimo disse...

isso merecia um artigo científico publicado em uma revista de educação...
hã? que tal? que tal?
ou então vc vem passar uns dias aqui em casa e me ajuda a cuidar do pedro... hehe
beeejo

Anônimo disse...

ai, fofuxa! vc merece no mínimo ir ap jô!
lindo d+
beijinhosssssssssssss